A Via Crucis

Vinte e três de Setembro. Segundona braba! Um dos dias, senão o dia, de maior mau-humor de cumpridores de expedientes em repartições públicas.
Acordo, me preparo e saio em direção ao campo de batalha — novamente a sede da prefeitura.
Logo na entrada, a primeira cópia impressa referente aos avisos amedrontadores espalhados pelos extensos 17,2 mil m², da construção que compreende os atendimentos, de que o cidadão não é bem-vindo àquele local: "Desacatar funcionário público é crime, com pena de multa e bom tempo mofando atrás das grades".
Ora, não há motivo para tanto terrorismo. Pelo que se entende, funcionário público é ser humano como qualquer semelhante e, desacato à pessoas é crime comum. Isso é basicamente sabido e dispensa qualquer tipo de prévia intimidação. Então, bastaria recomendar: "Não desacate o seu próximo, independentemente de qual for a sua, ou a atribuição deste". Ficar-se-ia, digamos, mais social.
— Moça, vim para mais uma tentativa de protocolar este documento. Hoje o sistema está ativo?
— Sim. Pode ir pagar a taxa no guichê ao fim do corredor. Depois retorne aqui.
No tal guichê no fundo do corredor fui atendido... com mais uma transferência:
— Vá ao departamento de  Dívida Ativa e recolha a guia para o pagamento.
Já no departamento de Dívida Ativa:
— Tem senha? — me questionou a mocinha.
— Não.
— Então, pegue a senha lá naquele canto  — me apontando a direção. — Pegue a senha vermelha — concluiu ela.
No console havia quatro botões de cores: um verde, azul, amarelo e... Quem diria! Tinha também um vermelho. Apertei o dito cujo. E a maquininha cuspiu um tíquete amarelo.
Fui recebido por um prestativo estagiário — prestativo, mesmo! Tô zombando, não — que se dispôs em me auxiliar a economizar tempo, dizendo:
— No caixa, tu foi comunicado que não há como fazer o pagamento lá? 
— Não.
— Tome aqui as suas guias.  Pague numa agência da Caixa Econômica Federal ou numa lotérica mais próxima. Após isso já poderá retornar diretamente ao protocolo.
Logicamente, optei pelo pagamento numa lotérica. Os bancos estão em greve, pra variar.
Resumindo... Gente, não é que eu sou um dos habitantes locais de uma invejável sorte extraordinária? Pois, é, logo na segunda visita à prefeitura, já consegui o tal protocolo do Projeto SOFT. Agora é esperar mais alguns anos para que eu obtenha uma resposta do deferimento. 


———:———

Após um relativo tempo de desafios, pesquisas, contatos e aproximações, nosso Grupo encara o maior empecilho para a continuidade do Projeto SOFT.
Vinte de setembro de 2013. Dirijo-me ao prédio da Prefeitura de Limeira — o maior complexo burocrático municipal — munido do devido Requerimento para o nosso protocolo de boas intenções,  e me apresento:
— Moço, vim fazer parte de uma obrigação do Poder Público que o mesmo deixa muitíssimo a desejar em nossa cidade. Represento a Sociedade Civil que vem se movimentando para a minimização e erradicação da exploração do trabalho infantil que ocorre bem debaixo dos narizes de toda a população limeirense.
O burocrata me olha desconfiado, indagando:
— O que você quer,  exatamente?
— Não vim implorar favores. Muito menos dinheiro, doação de um espaço físico ou pedir que você se levante dessa sua confortável cadeira. Quero apenas que algum servidor bata um carimbo neste documento que tenho em mãos.
— Tá. Primeiro passe no guichê do Protocolo — ele me orientou.
E lá fomos: eu e os papéis, repetir a mesma fala para a atendente, acomodada atrás de um vidro transparente. Isso mesmo. Na prefeitura daqui, pelo menos os vidros transparentes são transparentes.
Ouço o que a servidora tem a me dizer:
— Dirija-se ao nosso caixa, pague a devida taxa de requerimento e retorne aqui com a guia paga. 
— Fique tranquila — eu disse pra ela, na intenção de ME tranquilizar. — Não estou discutindo com você. Estou apenas pensando em voz alta: "Que maravilha! Estou trabalhando para a prefeitura, sem cobrar-lhe um centavo sequer, pagando os meus impostos diários em dia, e o prefeito  exige que eu lhe pague por este trabalho também?".
Ouvindo isso, a atendente preocupa-se em mostrar competência na sua função, me alertando:
— Pode ser que, mesmo pagando, você não consiga protocolar, ainda hoje,  o seu protocolo aqui no nosso protocolo. Estamos sem sistema. Sem previsão  para a retomada de nossos serviços.
Agradeci e saí. 
É, tô vendo que, a partir de agora, isto aqui também vai consumir inúmeras páginas e render mais um volumoso livro.  

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